domingo, 19 de setembro de 2010

Saudades From Angola II


Aqui é do outro lado do oceano. O mar, que me indicava o leste, fica a oeste. Mudam também outras referências. Aqui minha casa não é porto. Não anseio em voltar depois da tempestade. O dormir é solitário. Percebi, depois de meses, que mesmo tendo toda a cama só para mim, ocupo apenas uma metade. A esquerda. Isto não mudou. Mudaram os sons e as cores, o ritmo da vida. O céu, permanentemente nublado pelo cacimbo não exibe aquele contraste entre um azul vivo e o branco algodão das nuvens. Também não chove. Há dois meses não sinto aquele cheiro de terra molhada, aquele vento mais forte, aquele cinza chumbo que cobria o céu, os trovões. Não vejo as nuvens escuras que sempre se aproximavam a partir do mar de Itapoan, brindando-me com um espetáculo sempre igual, sempre renovado, sempre renovador. Aqui o vento sopra do continente para o oceano e mesmo próxima ao mar a paisagem é ressequida. Os padrões de beleza têm que ser reaprendidos e o aprendizado é lento e doloroso. Aqui conheci desertos. Uma imensidão de igualdade perturbadora, sem pontos de referência, onde se pode morrer facilmente. Não há árvores, não há pedras, não há elevações, não há vida, não há sons e nem sombra. É de uma monotonia enlouquecedora. Ontem me mostraram uma flor local, lindíssima, chamada Rosa de Porcelana. Dizem que pode ser cortada e enviada para alguém e permanece viçosa por muito tempo. Suas cores são matizes de vermelho. Sua consistência é tão firme quanto a de uma flor artificial. Nunca tinha visto nada igual. Ontem comi e bebi vinho com novos amigos. Compartilhei da sua hospitalidade. Brinquei com seus filhos. Diverti-me e sorri bastante. Depois voltei ao hotel. Hoje descobri que no domingo a tv local também exibe o Globo Rural. Assisti contente qual criança ao descobrir que ganhou um brinquedo novo. Fiquei feliz. Depois o Renato Teixeira foi entrevistado e cantou Romaria e outras coisas lindas que falam de um Brasil que já era distante quando eu estava aí. Tocou sua viola caipira, um som agudo, metálico, pungente. Evocou lembranças indistintas. Fiquei feliz de novo. Daqui a pouco devo falar com a esposa e os filhotes por telefone. Possivelmente a sogra e o sogro vão estar por perto. Vou falar com eles também. Não devo perder oportunidades. Vou ficar feliz mais uma vez. Permaneço atento. A felicidade e a alegria têm que ser trabalhados a cada passo. É difícil, mas o simples exercício já ajuda. Lembro recorrentemente de um verso do Jorge Vercilo. ”Ela está em todas as coisas, mesmo no vazio que me dá”. Tenho a pretensão, ou mais provavelmente a necessidade de crer que entendo exatamente o que ele quer dizer.

domingo, 12 de setembro de 2010

Trilhas Sonoras


A distância da família causa transformações em diversos aspectos e formas de ver a vida. Por exemplo, hoje, daqui de longe, morrendo de saudades e disposto a perdoar qualquer coisa, acho que sempre fui rigoroso e intolerante demais com o Sean e o Levi, e fico me prometendo que vou mudar mas com medo de que ao voltar ao convívio com eles minhas ranhetices se sobreponham a esta disposição e eu volte ao “normal”. Outra dimensão, que deu origem a este escrito em particular, é a relação com a música. Aí era diversão. Aqui é necessidade visceral. A musica brasileira aqui é ubíqua. Os sucessos são das mais variadas épocas e até Moreira da Silva é muito ouvido e citado e as pessoas se surpreendem porque não identifico suas músicas. Só conheço aquela do famoso Kid Morangueira e outra em que ele começa reclamando na subida do morro de que o sujeito bateu na nêga dele e termina enfiando a navalha na barriga do agressor. Os hits aqui têm muito a ver com as novelas brasileiras que estão no ar, e sucessos bastante antigos às vezes são bastante atuais em Angola. Além destas sazonalidades, algumas super estrelas são permanentes, como Ivete, Daniela, o eterno Rei. Aliás, só os discos do Roberto representam metade das opções da loja do shopping. Para mim, a nossa música me ajuda a superar a solidão, às vezes acentua as saudades e sempre distrai no eterno engarrafamento. Há entretanto alguns momentos em particular que se destacam. Primeiro, na viagem para o Namibe, descendo a obra de arte natural que é a Serra da Leba, com Victor e Ivo, ambos apaixonados pela nossa música. Este último colocou o disco dos Tribalistas para tocar e eu fui ouvindo a voz melodiosa da Marisa e os tons guturais do Arnaldo em meio a músicas que transformavam o ambiente, já surreal, em quase divino. Montanhas, precipícios, deserto, e a Marisa encantando “meu melhor amigo é o seu querer”. Foi um momento muito legal, especial. Na volta, total reviravolta de estilos. O Ivo, talvez motivado pela solidão e quietude do deserto, me sacou um disco pirata com mais de quarenta músicas, cada uma contando uma história de sofrimento mais trágica que a outra e ouvi Nilton César cantando “receba as flores que lhe dou”, Reginaldo Rossi explicando ao garçom que todo bêbado é chato, mas que ele tinha o direito a se embebedar e cair, pedindo que, neste caso, o deixassem dormir no chão. Um outro cantor, totalmente desconhecido para mim, explicando que quem faz o mal tem que ir para o inferno e que ele estava sofrendo justamente porque fez sofrer à esposa, e que Deus tinha mesmo que castigá-lo. Em especial no caso do tal Nilton César, quem parecia estar sendo castigado era eu, porque quando criança tinha uma vizinha insuportável, que obrigava toda a redondeza a ouvir o mesmíssimo (do Nilton) disco o dia todo, repetindo-o quando chegava ao fim. Foi muito engraçado. O Ivo contou que Gilson, meu amigo desde sempre, já havia feito três cópias do disco, uma das quais deu a um cunhado, o qual, quando ouviu a música do tal que queria mesmo sofrer por ter feito maldades com a esposa, chorou feito menino, tomou todas e passou o domingo bêbado (apesar do incomum gosto para presentes, Gilson tem diversos outros predicados, daí sermos amigos há tanto tempo). Rimos muito os três, e o Ivo conhecia todas as letras. Pouco mais de uma semana depois viajamos eu e Victor de Luanda até Benguela e desta vez a experiência lembrou a da Serra, fase I (tribalistas). Havia no carro uma coleção inteira do Chico e eu, no meio de estradas que misturavam mar de um lado, savanas e montanhas do outro, ouvia a poesia belíssima do brasileiro que mais entende de mulher cantando músicas da Ópera do Malandro, Bye Bye Brasil, Com Açúcar Com Afeto e outras maravilhas. Foi mais uma experiência fantástica. Entretanto, além destes momentos especiais pontuais, há a minha trilha sonora cotidiana, o que ouço em casa e no carro. Em casa a Vanessa da Mata me encanta com Amado, me pirraça e põe o dedo na minha ferida (a inseparável solidão) quando declama os versos “ainda bem, que você vive comigo, porque senão, o que seria da vida, sei lá, sei lá”. No carro a Marisa se incumbe de fazer o mesmo quando lembra a falta da companheira, a Léri, dizendo que não é fácil não te ter todo dia, não te contar meus os planos, não te encontrar. Há também momentos mais amenos, quando o Vercilo, Chico, Roberto e Caetano cantando Tom, Marina, me transportam para lugares de tranquilidade, me trazem sentimentos bons, me recordam experiências felizes, enfim, me ajudam a superar. Por coincidência ontem fui com amigos a um bar próximo de casa com música ao vivo e ouvi a baiana Márcia Short, surpreendentemente, cantando Rio Antigo, do Chico Anísio, Como Dois e Dois do Caetano e outras pérolas. Prá não deixar barato, já que tudo estava perfeito demais, terminou com o reboleixon (é assim que se escreve?). Mas foi só esta em mais de uma hora de show. E como estou numa fase mais magnânima, dá pra perdoar.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Do Lubango ao Namibe passando pela Serra da Leba III


A Serra da Leba desce de quase dois mil até trezentos metros acima do nível do mar, quando a paisagem começa a mudar e se deixa um terreno com muitas pedras, mas também muita vegetação, muito verde, e começa-se a adentrar num trecho em que a vegetação fica cada vez mais rala, amarelada, baixa e as pedras aumentam. É a transição entre a serra e o deserto. Mais uma meia hora e a vegetação praticamente desaparece.

Sou informado de que aquele trecho é tão inóspito que há noventa quilômetros existe uma pentenciária que não tem (porque não precisa, ninguém sabe para onde fugir) muros. Por mutos e muitos quilômetros apenas as pedras e um chão que não é aquele que nos acostumamos a ver na televisão, nos desertos de Hollywood, de areia fina. O deserto do Moçâmedes é de um chão argiloso, duro, amarelado. De repente o olhar treinado do Victor chama a atenção para algo à esquerda do carro. São babuínos que fogem para o alto de uma gigantesca rocha quando nos aproximamos, tornando-se pouco mais que pequenos pontos quase indistintos.

À nossa frente, um buraco natural na rocha com dois ou três metros de profundidade por uns quatro de diâmetro, guarda ainda um resto da maior riqueza que se poderia encontrar por ali. Um resto de água suja, verde, mas ainda assim, água, num raio de muitos quilômetros, o suficiente para manter aquele bando ali por perto.


Mais uma vez o chão esbranquiçado e sem vegetação retoma a paisagem. Nenhuma planta, nenhuma sombra, nenhuma água, nem mesmo pedras para quebrar a monotonia da viagem.
De repente o Ivo avisa: daqui a pouco vamos passar por um oásis. Vêem me à mente visões árabes com tamareiras, areias, um pequeno lago de águas cristalinas, mas a realidade é completamente diferente.
Do nada, surge uma uma pequena região com vegetação viçosa de ambos os lados da estrada, por um trecho de poucas centenas de metros, o suficiente para que um grupo de pessoas viva ali. Percebe-se pequenas plantações, poucos animais e sinais de vida em comunidade. Esta grande árvore ao lado parece-se bastante com árvores de florestas assombradas de filmes infantis e é única dentre o restante da vegetação. Assim como pouco antes, logo depois o chão seco e áspero retoma a cena. Seguimos por mais uns quinze a vinte minutos e novamente percebe-se a presença de água, ainda que em meio ao ambiente hostil. Estamos nos aproximando da cidade do Namibe, do mar. Namibe é uma cidade pequena, pacata, com um tipo de urbanização completamente diferente de Lubango, vive em função do mar. Seus pratos típicos são deliciosos.
Comi um carangueijo com mais de vinte centímetros de tamanho, com o casco bem mais tenro que os caranguejos brasileiros, de alto mar. Delicioso. No mercado lulas, chocos e peixes diversos estão expostos em balcões e todos os vendedores e vendedoras tentam convencer você de que seu peixe é mais fresco e melhor. A variedade de produtos é impressionante. Vi uns peixes galo que pelo tamanho deviam se chamar aqui de peixe peru. Muito maiores que os do Brasil, pelo menos o dobro do tamanho. Também muitos peixes salgados atendem às necessidades daqueles que têm que fazer longos percursos pela região, sem ter como manter o produto resfriado. Quando se observa bem, percebe-se que o deserto vai até o mar. O Rui, nosso anfitrião local me fala de uma planta carnívora que só existe naquela região, capaz de matar pequenos coelhos e pássaros. Segundo ele, seu interior aveludado é convidativo e os animais se deitam e se aconchegam para escapar do frio. Encontram depois apenas a pele e os ossos ressecados. Fica para a próxima visita.

À esquerda, as lulas, mais distantes, e o choco, maior, molusco muito comum e muito consumido por aqui. Do lado oposto o super peixe galo, com pelo menos uns trinta centímetros de tamanho e bastante grosso em relação ao que costumava ver nas praias e feiras do Brasil. Observem que eles estão numa bacia alta e as cabeças ficam bem acima da borda.


sábado, 28 de agosto de 2010

O que se vende na rua em Luanda II




Como este tema é praticamente inesgotável, decidi que a cada novidade interessante, acrescento o material ao texto anterior e lanço uma nova edição, assim, quem já leu fica apenas na parte inicial do texto, e quem lê pela primeira vez não precisa ir buscar os anteriores para se informar.
Em outras duas passagens pelo mesmo trecho eternamente engarrafado de Luanda na qual se baseou o texto anterior sobre o tema, em uma das principais avenidas que dão acesso ao centro da cidade (Rua da Samba, próximo ao Viaduto do Prenda), registrei alguns novos (outros nem tanto) itens vendidos por ambulantes entre os carros. A propósito, ainda me surpreendo bastante com a ausência de acidentes, já que num espaço apertado entre carros (que disputam acirradamente cada metro de asfalto) passam à toda lambretas e motos a cada minuto, e os condutores e ambulantes conseguem se evitar mutuamente, sabe Deus como. Aqui vão: colchão e poltrona infláveis, ancinho, tesoura e enxadete de jardinagem, extensões elétricas, fios elétricos, adaptadores para tomadas elétricas, fios com plugs para DVD´s, televisores e equipamentos multimídia em geral, voltímetros e amperímetros de diversos tipos, mangueira com esguicho para jardim e usos diversos, garrafa térmica, silicone spray para limpeza e embelezamento de veículos, equipamento para fazer conexão entre baterias (para dar partida no carro quando a bateria descarrega), mangueira com indicador de volume para botijão de gás, DVD player portátil com tela (para assistir sem conexão com TV), bomba manual para injeção de graxa lubrificante para suspensão de veículos, camisas pólo Lacoste, farda e avental para doméstica, tapetes de borracha e plástico para veículos, calções coloridos (pareciam de pijama), abajur elétrico, escova para tirar pelos de roupa (este eu perguntei, nunca tinha visto antes, é um cilindro com cabo central, lembra escovas para alisar cabelo ou cachear cabelos femininos), lacre plástico, destes que se usa como algemas ou para lacrar malas em aeroportos (usados aqi como segurança para evitar roubo de calotas de carros), bolas transparentes com luzes dentro (do tamanho de bolas de ping-pong, deve ser brinquedo para crianças), bonés, revistas Caras e outras, iogurte em potes plásticos (perguntei o que era, não dava para saber), vassouras domésticas diversas, machados pequenos de lâmina simples, dupla e amassador de carne com lâmina de machado num dos lados, cafeteira elétrica, tostadeira, grill para sanduíches, escova com cerdas de nylos para uso diverso, banco plaástico, facão, blocos tamanho A4 com faturas e recibos avulsos,, ferro de engomar, escova para lustrar sapatos, balança para alimentos, canivete tipo suísso, abridor de garrafas com saca-rolhas, antenas internas para TV, luva para motorista, uniforme de time de futebol (camiseta e calção), lanternas especiais com bateria recarregável (perguntei, nunca havia visto antes, são usadas em casa quando falta energia e parecem pequenos refletores presos numa placa prateada, mais o menos 20 cm x 10 cm), azeite de oliza, caixas (latas) de biscoitos de luxo, umas bolas que parecem bolas de vôlei nas cores, mas do tamanho de bolas de basquete (parecem servir para enfeite ou brincadeira de crianças).


O que se vende nas rua em Luanda I

Num dos últimos escritos fiz referência ao que era vendido nas ruas de Luanda. Na segunda-feira, para passar o tempo enquanto ia para o escritório, resolvi registrar o que eu consegui identificar sendo vendido, EM UM ÚNICO engarrafamento. Aqui vai: cartão telefônico, biscoitos, jornais, brinquedos diversos para crianças, duchas metálicas (isto mesmo) para chuveiro, CD´s, DVD´s, aspiradores de pó, sapatos femininos de salto alto, lençóis, edredons, travesseiros, coleiras para cães, estetoscópios com tensiômetro, sandálias, tênis, ferro de engomar roupa, pedaços de bacalhau em sacos, liquidificadores, ferramentas –alicates de diversos tamanhos e funções, chaves de fenda e outros em estojo plástico, cortadores de unha, cabides de madeira para roupa, mangueira e registro para botijão de gás, capas para volante de automóvel, camisas tipo t-shirt, vestidos, casacos masculinos para frio, camisetas com faixa reflexiva para ciclistas e motociclistas, chaves de roda, macaco hidráulico e triângulo de sinalização para automóvel, celulares e carregadores de celular para ligar na tomada do carro, baterias diversas para eletrodomésticos, lápis, caneta, inseticida spray, relógios grandes de parede, rádio-relógio digital, cadeados, funis para colocar combustível no veículo, armários para sapatos, baús para roupas, tapetes, lonas plásticas, tubos de cola, carteiras de cédulas, espelho para banheiro (com aproximadamente 1m de largura!!!) com suporte para toalha. Isto sem contar o que eu não consegui identificar, o que eu não vi e o que não consegui registrar! Para concluir, o tráfego hoje estava bastante light. Em (apenas!) uma hora fiz um trajeto que costuma durar mais 30 ou 45 minutos. Explicação: diferentemente da maioria das cidades que conheço, em que a segunda-feira é sempre dia muito intenso e com engarrafamentos maiores, aqui costuma ter tráfego mais leve porque diversas feiras livres que funcionaram no domingo não funcionam na segunda, razão pela qual há menos fluxo de pessoas e carros. Morrendo e aprendendo!

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Do Lubango ao Namibe, passando pela Serra da Leba e Deserto de Moçâmedes II


A Serra da Leba é algo que não se traduz em palavras, tem que ser vivenciado. Parece uma daquelas paisagens que a gente vê no cinema e fica pensando se é real ou efeito de computação gráfica. O eterno Cacimbo que mantém o céu permanentemente enevoado torna a vista meio difusa, aumentando o fascínio da paisagem. Antes do descida propriamente dita, existe um mirante à esquerda, um paredão com centenas de metros suspenso no nada do qual se vê a estrada que serpenteia pela serra até onde as nuvens (sim, nuvens) bem lá embaixo, deixam o olhar ir, como se pode observar nas duas fotos abaixo.
Deste mirante se vê uma queda d´água à direita, meio escondida entre dois despenhadeiros verticais, que formam um “V”. A estrada que passa pela serra foi construída por uma arquiteta portuguesa sobre um caminho antigo que era usado pelos habitantes que viajavam entre o Namibe e Lubango, pelo alto dos picos.


Desta forma. Ou se tem um despenhadeiro de cada lado da estrada ou um despenhadeiro de um lado e um paredão rochoso do outro.

Reza a lenda, segundo me contou o companheiro angolano e guia Ivo que depois de ver tantas empresas falirem durante a construção da estrada e tantas pessoas morrerem, ela teria se suicidado. A pista não deve ter nenhum trecho com mais de cem metros em linha reta. Para atenuar a descida, a cada pequeno trecho, uma curva. Desta forma, os aproximadamente 2000 metros de altura entre a parte alta e a baixa são vencidos por uma estrada de 23 quilômetros, ou seja, cada quilômetro de estrada corresponde a menos de 100 metros de altura, motivo que explica o enorme número de curvas para reduzir o aclive, algumas com proteção, como a da foto acima, muitas apenas com a fé do viajante para evitar a queda em caso de derrapagem. Depois de quase uma hora de descida com curvas o tempo todo, a paisagem começa a mudar, o terreno fica mais plano e pedregoso, com plantas mais ralas e rasteiras. É que estamos nos aproximando do deserto.


Abaixo, mais algumas paisagens da serra.




Ao lado pode-se ver um tremendo paredão que desce vertical, tão alto que não dá para enquadrar completamente na distância em que nos encontramos. Mas é impressionante, parece que pegaram um serrote gigante e cortaram um pedaço do morro através do granito. Cabe salienar que este trecho é formado naturalmente pela erosão, e não escavado para construir a estrada.




Exemplo de um dos inúmeros trechos em que os veículos ficam espremidos entre um muro natural, neste caso com uma estrutura de concreto suportando a faixa de estrada logo acima, e o precipício do outro lado, neste caso, felizmente, com uma proteção (mas que só existe na parte baixa).

O que se vende na rua em Luanda I




Num dos últimos escritos fiz referência ao que era vendido nas ruas de Luanda. Na segunda-feira, para passar o tempo enquanto ia para o escritório, resolvi registrar o que eu consegui identificar sendo vendido, EM UM ÚNICO engarrafamento. Aqui vai: cartão telefônico, biscoitos, jornais, brinquedos diversos para crianças, duchas metálicas (isto mesmo) para chuveiro, CD´s, DVD´s, aspiradores de pó, sapatos femininos de salto alto, lençóis, edredons, travesseiros, coleiras para cães, estetoscópios com tensiômetro, sandálias, tênis, ferro de engomar roupa, pedaços de bacalhau em sacos, liquidificadores, ferramentas –alicates de diversos tamanhos e funções, chaves de fenda e outros em estojo plástico, cortadores de unha, cabides de madeira para roupa, mangueira e registro para botijão de gás, capas para volante de automóvel, camisas tipo t-shirt, vestidos, casacos masculinos para frio, camisetas com faixa reflexiva para ciclistas e motociclistas, chaves de roda, macaco hidráulico e triângulo de sinalização para automóvel, celulares e carregadores de celular para ligar na tomada do carro, baterias diversas para eletrodomésticos, lápis, caneta, inseticida spray, relógios grandes de parede, rádio-relógio digital, cadeados, funis para colocar combustível no veículo, armários para sapatos, baús para roupas, tapetes, lonas plásticas, tubos de cola, carteiras de cédulas, espelho para banheiro (com aproximadamente 1m de largura!!!) com suporte para toalha. Isto sem contar o que eu não consegui identificar, o que eu não vi e o que não consegui registrar! Para concluir, o tráfego hoje estava bastante light. Em (apenas!) uma hora fiz um trajeto que costuma durar mais 30 ou 45 minutos. Explicação: diferentemente da maioria das cidades que conheço, em que a segunda-feira é sempre dia muito intenso e com engarrafamentos maiores, aqui costuma ter tráfego mais leve porque diversas feiras livres que funcionaram no domingo não funcionam na segunda, razão pela qual há menos fluxo de pessoas e carros. Morrendo e aprendendo!

domingo, 22 de agosto de 2010

Do Lubango ao Namibe, passando pela Serra da Leba e Deserto de Moçâmedes I


Os meus andares por Angola desta vez me levaram ao Sul do país, às igualmente agradáveis porém extremamente distintas localidades de Lubango e Namibe. Entretanto, por mais interessantes que sejam as cidades, a cena é definitivamente roubada pela Serra da Leba e pelo Deserto de Moçâmedes. Mas, como diria Jack o Estripador, vamos por partes. Há tantas coisas interessantes a relatar que, se eu não estabelecer um mínimo de disciplina, vou esquecer muitos aspectos que merecem registro. Primeiro, Lubango. A cidade fica na província do Huíla, numa altitude que varia entre os 1700 e 2000 metros. Clima serrano, a temperatura neste período do ano oscila entre os 26 e os 10 graus centígrados mas já atingiu extremos de 1 grau. A serra da Leba domina a cidade. A vista, quando se examina a paisagem ao redor, é sempre atraída por este belo elemento (recuso-me a usar o termo acidente) geográfico que ocupa metade do horizonte visual. Menos cuidada que Benguela ou Lobito, menos urbanizada, possui ruas mais esburacadas, estreitas e (surpresa!) tem até engarrafamento às seis da tarde e às onze da manhã. Tem também seu “Cristo Rei”, na parte mais alta da serra que está voltada para a cidade. Fiquei hospedado num hotel simples porém de extremo bom gosto chamado Casper Lodge ou Chalé do Gasparzinho (aceitam-se correções). Na entrada, um desenho do Fantasminha ilustra a escolha do nome. Pouco acima, literalmente falando já que a cidade se espalha do sopé até quase o topo da serra, um parque belíssimo com árvores de mais 30 metros de altura, muitos pinheiros e eucaliptos, mesas e bancos de alvenaria para quem quiser sentar e ler, bater papo, namorar (vi vários casais), apreciar a paisagem, dar uma corrida. Por incrível que pareça, identifiquei diversos elementos comuns entre Lubango e Vitória da Conquista na Bahia. Altitude, muitos eucaliptos aromatizando o ar, temperatura amena, jeito da população local e até mesmo a Feira Agropecuária e de Negócios com stands diversos e um parque de diversões anexo, no mesmo período do ano. Num dos restaurantes em que fui, o Bela Huíla, obra do irmão de um companheiro recente aqui de Angola, o Ivo, ficou patente que bom gosto e criatividade estão à disposição de quem tiver competência. Local para umas sessenta pessoas, cozinha estilo “aquário” dentro do espaço de atendimento, música ao vivo. A música merece destaque especial. Primeiro, há sempre um microfone sem fio do grupo que se apresenta, à disposição do público. Desta forma qualquer artista “acidental” (e havia muitos) podia fazer parte do espetáculo e este detalhe fazia uma significativa diferença. O repertório, interessantíssimo, mesclava música angolana, brasileira e pop internacional. O da música brasileira foi um capítulo à parte. O Rei foi quem mais contribuiu, com obras que iam da fase de Jovem Guarda, O Calhambeque (pausa – eu, em Angola, numa noite de sexta, numa cidade do interior do país, num restaurante local, banda local, ouvindo música brasileira do Roberto, anos sessenta, cantada por jovens da faixa dos vinte cujos pais eram crianças quando a música foi lançada!) a músicas mais recentes. Extremamente eclético. O ambiente, agradabilíssimo. Comida boa, simples, adega dominada (sempre, por aqui) por vinhos portugueses, alegria, bom humor. Lembro a mim mesmo que cada momento interessante deve ser vivido e percebido nas suas diversas dimensões. O segundo elemento desta narrativa, a Serra, está entre Lubango e Namibe, vai dos 2500 metros até quase o nível do mar, possui uma estrada que serpenteia por cima do topo dos morros tendo sempre um paredão de um lado e um precipício (e bota precipicio!) do outro, fascinando por mais de 20 quilômetros os que têm o privilégio de a conhecer. Quando o Victor e o Ivo, meus companheiros de jornada e anfitriões, me levaram ao mirante de onde se vê a maior parte da estrada que serpenteia serra abaixo, me surpreendi gritando (muito raramente falo palavrão) P!!!! Q!!!!!P!!!!! Estava diante de um espetáculo belíssimo, quase assustador. Continuo na próxima, a narrativa é longa.