sábado, 24 de julho de 2010

Saudades "from" Angola (ou: para "os pentelhos")

Pensei em escrever sobre esta incômoda companhia já por diversas vezes. Não havia me sentido forte o suficiente. Ainda não sei se estou. Cheguei até a ensaiar umas idéias, há pouco mais de uma semana. Percebi que estava racionalizando e tentando falar da saudade como se fora algo alheio a mim, na terceira pessoa, de forma analítica. Ainda não dá, concluí. Cheguei mesmo a teclar (quase escrevi rabiscar, sinal da idade) algumas palavras sobre o assunto. Comecei categorizando a saudade como insidiosa. Isto porque a sensação que eu tinha é de que ela, como uma serpente silenciosa, mimetista, ficava como que invisível por trás das coisas mais simples, prosaicas, cotidianas, e então, e no instante em que eu estava com a guarda completamente baixa, vinha sub-repticiamente e me acertava de forma aguda, profunda, rápida. A forma que causa mais dor pois que não prepara para o impacto, não dá tempo de a adrenalina enrijecer os sentidos, os tecidos, em especial os emocionais. Hoje, apesar de não sentir menos dor, nem de a dor ser menos profunda, ou menos persistente, não percebo mais a saudade como desleal, como adversária, inimiga. Ela é a minha maior companheira e a salvaguarda última de lucidez, de sentido, de garantia de retorno ao que realmente importa. A saudade me lembra de porque estou aqui. Estou aqui por minha própria causa, e isto (ou esta, a minha causa) significa meus filhos, minha esposa, lar, amigos, meus entes queridos que me constituem, me dão alma. Já de algum tempo não mais me sou, tão somente. Deixei este patamar egoístico e mesquinho na medida em que aprendi o verdadeiro sentido do amor, que só vem quando você se percebe olhado por um olhar que um dia fez parte do seu corpo físico, mas que agora te acolhe, generoso, num universo muito maior que seu (nosso) próprio limite, e no qual permite que você coabite. A saudade se esconde “inocente” no marcador de livros que uso toda noite para minha leitura ritual antes de dormir. Meu caçula literalmente me proibia de dobrar o canto das páginas dos seus livros, que eu também lia. Ficou o hábito. Fica a lembrança ali disfarçada de ato inofensivo. Voltando para casa, noite, depois de um dia exaustivo, começo a sentir um cheirinho de carne na brasa, e antes de perceber, sinto a vozinha do Sê reclamando de que tenho feito poucos churrascos ultimamente e que exige picanha beeem-maaal –passada. Ou que brinca, às vésperas da minha partida, dizendo que a criatividade culinária da casa vai diminuir. Como o foi um dia meu pai, também me tornei um alquimista de cozinha, misturando um monte de coisas e sem nunca fazer um prato igual ao anterior. A molecada adora. Eu mais ainda. A história e os ciclos se repetem. Desta vez, aqui. Em meio a cinco milhões de pessoas preencho meus espaços emocionais e minhas memórias com estas sensações, com estes sons, com estes cheiros e com este sentido. Ou, em outras palavras, com estas saudades.

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