segunda-feira, 2 de agosto de 2010
Flashes I
Algumas questões por aqui ainda me surpreendem. A nossa Coordenadora Administrativa, a Patrícia, trouxe-me seu requerimento para saída de férias. Sempre estranhei que o e-mail dela fosse mariana.sardinha, mas achei que como em muitos outros casos, o nome escolhido para o endereço eletrônico fosse um dos seus nomes menos conhecido pelos colegas. Não. A Patrícia chama-se, de fato, Mariana. Descobri, de quebra que a Neuza (a Patrícia entregou logo para não ficar parecendo a única estranha do pedaço), outra colega do escritório, também não se chama Neuza, mas Elza. Perguntei por que. Ela ia se chamar Mariana Patrícia. O tabelião, muito sabiamente, achou que não ia ficar bem e se negou ao registro (em verdade a alegação foi a de que eram muitos nomes não angolanos para uma única pessoa). Como um nome era da preferência do pai e o outro da mãe, cada um continuou chamando-a como achava melhor e prevaleceu exatamente o nome descartado da certidão. A história da Neuza é parecida. Soube que isto por aqui é muito comum. Outro fato que me chama constantemente a atenção é a lógica do luandense (outras cidades de Angola são completamente distintas de Luanda, que comporta 30% da população do país exatamente na menor província) ao dirigir seus carros no dia-a-dia. Normalmente o trânsito daqui é altamente democrático. Estão no mesmo engarrafamento carrinhos pequenos, econômicos, muitos caindo aos pedaços, candongas, meio de transporte de massa (pequenas peruas) e Land Rovers, Hummers, BMW´s e outros carros de altíssimo luxo. O caos é total e totalmente organizado, ou seja cada um vai forçando a barra, enfiando a frente do seu carro enquanto pode e milímetros antes do choque, por uma lógica completamente clara para eles (e só para eles), um cede passagem e o outro vai em frente sem problemas. Raras são as buzinas e mais raras ainda as discussões. A estoicidade e o fatalismo são quase budistas. Nos fins de semana e de noite, entretanto, quando o trânsito é muito mais livre e pode-se desenvolver velocidades de 60, 80 por hora, qualquer detalhe que pareça em desacordo com que acha outro motorista provoca buzinadas homéricas e reclamações veementes. O stress é infinitamente maior quando o tráfego é livre… Para concluir a lógica totalmente distinta da brasileira no quesito trânsito, mesmo em avenidas expressas, de velocidade e altamente movimentadas, basta que algumas pessoas no acostamento ou no passeio comecem a estender a mão pedindo passagem ao lado da pista e, em segundos, um carro pára, os demais acompanham e as pessoas passam. Nunca vi reclamações, freiadas ou buzinadas, nestas horas. Nunca vi nenhum motorista que viesse atrás de outro que parou e que também não parasse e desse passagem à pessoa ou pessoas que a pediram. Os nomes das coisas, muitos originários do português de Portugal, outros mangoleses típicos, são um capítulo à parte. Luz interna, como abajur, luminária para leitura e outros que dão luminosidade localizada, são candeeiros. Sanduíche é sand, geladeira é geleira, bacana, legal é fixe, caminhonete é carrinha, freio é travão, retorno é bolacha, rótula é rotunda, caminhão é camião, gramado é relvado, faixa de pedestres é passadeira, trecho em obras é troço em obras, garoto, garota, miúdo ou miúda, jovem é puto, coroa é cota, pistolão (conhecido que favoreceria um amigo) é cunha, chopp é fino, gol é golo, goleiro é guarda-metas e o sanduíche mais comum aqui, feito com carne de boi é prego no pão (ninguém nunca me explicou porque, já pesquisei e não descobri). Para encerrar, chamam-me muito a atenção as crianças, as suas mães e suas relações. A maioria das mulheres da população típica, carrega as crianças amarradas às costas por um pano parecido com um xale, as pernas das crianças à volta da cintura das mães, numa posição, aparentemente desconfortável. Especialmente se considerarmos que elas ficam ali por horas a fio, enquanto a mãe anda, almoça, trabalha, carrega outras coisas, ou simplesmente se agacha num canto para descansar. Pois bem, nunca vi nenhuma destas crianças chorando, mostrando irritação, reclamando ou mesmo tentando chamar a atenção da mãe. Ficam ali quietinhas, olham placidamente para os lados, às vezes comem algo, numa total tranquilidade. Em um mês por aqui, uma única vez lembro-me de ter visto um garotinho chorar, mas apenas porque outro maior o estava pirraçando. Comentando isto com um amigo, este falou que nos seus anos de Angola, nunca viu uma criança fazer uma cena, nem nunca viu uma mãe batendo numa criança. Eu nunca vi uma mãe nem reclamando com seu filhote, muito menos brigando, menos ainda ameaçando ou batendo. Último exemplo da diferença de temperamento aparente das crianças daí e daqui: estava no cinema, assistindo uma comédia de aventuras adequada para crianças de pelo menos uns dez ou mais anos (legendada, requereria leitura fluente), quando percebi que muitas mães adentravam na sessão, já iniciada, com uma, duas, até três crianças com idade bem menor que a desejável, algumas seguramente ainda não alfabetizadas. Sala cheia, as mães foram deixando as crianças nos bancos que estavam vazios, não necessariamente próximos a elas. Uma sentou na mesma fila que eu, porém distante, e deixou o garotinho de uns cinco ou seis anos na cadeira ao meu lado. Já me preparei para as chamadas à mãe, reclamações por ter que ficar por mais de uma hora e meia vendo um filme que não fazia sentido para ele. O guri não deu uma única palavra, e do meio para o final do filme, encolheu as perninhas para cima da cadeira e as colocou debaixo da camisa, com frio. Recostou-se e cochilou, sem uma único som, quietinho, pelo resto da sessão. Parecidíssimo com os meus!!!
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