sábado, 7 de agosto de 2010
Paciência
Diferentemente do que o título possa sugerir, não é nenhuma exortação a esta qualidade tão necessária nem nenhuma “tirada” preconceituosa que tantos têm ao se referir às coisas da África. Paciência é o nome do rapaz que cortou meu cabelo hoje. Calma, ou melhor, paciência que eu explico. Cheguei cedo ao salão e em poucos minutos um negro simpático, sorridente, bigodinho à la Errol Flynn (ver Google), cabeça raspada a navalha, informou-me que estava disponível. Antes de explicar-lhe como queria meu corte, já que era a primeira vez que nos encontrávamos, perguntei-lhe como se chamava, pois prefiro tratar todas as pessoas com quem vou ter relação pessoal ou profissional pelo nome. - Paciência, respondeu. – Que interessante, tive um colega no Brasil cujo apelido também era Paciência, expliquei-lhe. Lá na minha terra, a Bahia, havia uns biscoitos amarelos, pequenos, achatados, muito gostosos chamados paciência. Como este meu colega gostava e comia muito estes biscoitos no lanche, ficou o apelido. – Mas Paciência é o meu nome mesmo! - Nome? Como assim? Aí o Paciência, com toda a idem, explicou-me que era originário do Uíge, norte de Angola, onde teria começado a nação angolana. A sua etnia, os Bakongo, são muito supersticiosos, e acreditam muito nas tradições. Ele me contou que lá pode-se ver árvores que vertem sangue, na floresta, ou casas que aparecem da noite para o dia, sem que nenhuma pessoa tenha movido uma palha para construí-las, e ninguém sabe explicar como. Mas a tradição, insiste, é coisa muito importante e não pode acabar nunca. Uma delas determina que para uma mulher casada engravidar, ou, se ela estiver grávida, para a gravidez ser bem sucedida, o marido deve dar-lhe de presente um cabrito. O seu pai não dava de presente à esposa o tal cabrito. Assim, continuou o Paciência, a mulher do seu pai, ficava com a barriga grande, mas como não ganhava o cabrito, a barriga murchava, e nada de gravidez. Outra vez a barriga começava a crescer, mas ele não dava o cabrito e a barriga murchava de novo. – Que pedaço do cabrito deveria ser dado, perguntei, achando que alguma parte da anatomia do bicho deveria estar relacionada com aspectos de saúde da grávida. – O cabrito inteiro, respondeu-me. – Mas era um cabrito abatido, para ser cozido e comido? – Não, era um cabrito vivo, para a mulher fazer o que quisesse. Depois desta interrupção, o Paciência continuou, pacientemente a discorrer. – Mesmo sem ter recebido o cabrito de presente, depois de nove anos, ela engravidou. Quando eu nasci, meu pai então me explicou que ele esperou nove anos, sem casar com outra mulher, sem se separar, aguardando, pacientemente que a esposa engravidasse. Desta forma eu sou resultado da paciência dele. E ele me contava esta história sempre, e sorria muito, lembrando o quanto foi paciente para esperar por mim. Assim, escolheu meu nome, concluiu. Fiquei pensando, batutando cá com os meus botões. Se eu aplicasse a mesma lógica do pai dele, que nome será que teriam meus filhos? Acho que o Niro se chamaria “Surprêêêsaaa!!!!”. O Sean seria, “Mô, senta, que eu tenho uma novidade!!” e o Levi, “Mô, senta que eu tenho outra novidade!!”. Pensando bem, o pai do Paciência fica com a lógica e as tradições dele e eu fico com as minhas. É melhor.
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